A economia começa na política. Em momentos cruciais na vida dos povos, quando as dúvidas e o pessimismo parecem tomar conta do espírito colectivo, é preciso compreender que os problemas aparentemente económicos apenas poderão ser resolvidos com vontade política. Foi sempre assim. E não se fale de gerações ou de soluções providenciais, nem de tempos fechados ou de passados sem futuro. Quando está em causa a vontade política, o essencial é a criação de uma corrente positiva, mobilizadora, centrada na audácia e no entusiasmo. Por muito que isso desgoste a alguns, a verdade é que estamos num momento em que a reno- vação, a abertura de novos horizontes, passa pelo fortalecimento das raízes - num sentido prospectivo, virado para o futuro, como sempre ensinou António Sérgio. E esse "patriotismo prospectivo" obriga a agitar as águas no sentido de tornar os desígnios da democracia e da Europa factores de mobilização cívica e bandeiras que contrariem os conformismos burocráticos e o ramerrão das soluções baseadas nas perigosas continuidades.Num momento em que o centro-esquerda e a esquerda têm de recusar o mimetismo que tende a confundir sociedade aberta e fundamentalismo de mercado, e em que o Estado social é chamado a consolidar-se, demarcando-se do "Estado mínimo" e do "Estado burocrático", reforçando os instrumentos que tornem a igualdade e a diferença faces de uma mesma moeda, chega a altura de mobilizar a Nação democrática. O desânimo pode levar à decadência e ao enfraquecimento das instituições. O pessimismo pode abrir caminho à perda de influência. A autoflagelação apenas pode fortalecer a mediocridade e a irrelevância. Eis porque é preciso pôr as vontades empenhadas ao serviço de uma mudança de atitude. E as próximas eleições presidenciais terão de ser aproveitadas para pôr a tónica numa inversão de tendência na vida política nacional que leve o País a acreditar e a assumir as suas responsabilidades.Os desígnios da democracia e da Europa, lançados premonitoriamente por Mário Soares, quando havia quem se escondesse atrás de argumentos burocráticos e formais para levantar dúvidas, apenas poderão ser defendidos e desenvolvidos se não se deixarem aprisionar por lógicas redutoras e defensivas.Ponhamos os olhos na história política do final do século XIX português. O regime constitucional perdeu força e legitimidade porque foi incapaz de ligar a inovação e a renovação e de garantir uma fidelidade actualista aos princípios cívicos essenciais.A democracia nunca está fechada ou adquirida. Precisa de se renovar substancialmente - na sociedade civil. O sangue novo tem de se ligar às instituições como realidades vivas. Mas o "sangue novo" pressupõe consciência histórica e capacidade de ligar as várias gerações. E se se fala de Europa, a verdade está em que também aí não se trata de um mero "funcionalismo económico". Faltam "suplemento de alma", vontade e ânimo políticos para responder aos desafios do alargamento, da Europa política, de uma nova parceria euro-atlântica. Tudo está a mudar e por isso é necessário dispormos de uma "visão de futuro", de capacidade para ter golpe de asa, de vontade e força para ultrapassar as barreiras entre gerações, os conflitos conceptuais, as lógicas puramente técnicas.A prova está feita a mediocridade só se contraria se houver autoridade moral democrática para passar por cima das divisões e dos impasses.Há medo que se diga que as gerações novas não têm capacidade de renovar a vida política e de suscitarem a auto-reforma da democracia? Infelizmente, a memória é muito curta. A política renova-se ligando os "pais fundadores" às novas gerações e nunca procurando fazer tábua rasa do tempo passado. O fracasso e a mediocridade, que muitos diagnosticam, resultam de uma falsa ideia de auto-suficiência. A renovação necessária faz-se com todos e, em especial, com os melhores, com aqueles que têm provas dadas. Todos nos recordamos desse momento único em que Mário Soares foi a Praga dar o seu apoio pessoal e político a Vaclav Havel e à "revolução de veludo". Nesse dia juntaram-se duas referências morais do "espírito europeu" e de uma ideia de democracia de futuro. Nesse dia, a política e a economia juntaram-se, em nome da cidadania.Afinal, a economia europeia nada significa sem a política, no sentido mais nobre da palavra. Uma união de Estados e povos livres e soberanos precisa de memória e de vontade. O papel dos "pais fundadores" da democracia europeia não passou. O seu tempo continua a ser hoje. Continua e é essencial. Mário Soares é o símbolo.
Guilherme d'oliveira martins